Retomar o seu poder
- Fê Pier
- 16 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
Nós, mulheres, já nascemos perdendo direito. A partir do momento que nosso corpo é formado no ventre da nossa mãe, nós e as nossas futuras filhas - se decidirmos tê-las e formos respeitadas nessa decisão - já sofremos e sentimos a opressão de um sistema que não nos permite a escolha.
Quando crianças, começamos a receber nossos nãos. Não pode sentar de perna aberta, não pode xingar, não pode tirar a blusa quando está com calor. Você é MENINA.
Nossos corpos e vontades nunca foram nossos de verdade, sempre se fizeram presentes para satisfazer as vontades do mundo, dos outros, de fora.
Quando adolescentes, a lista de nãos aumenta. E não se iluda que um não vai substituindo o outro, eles vão apenas se acumulando. Não pode dar, não pode responder, não pode questionar, não pode ser fácil, não pode ser grossa, não pode ficar na rua até tarde. Não pega bem. Você é MENINA.
Aos poucos durante toda a nossa vida todos esses nãos vão se internalizando dentro de nós, até chegar um momento que já não sabemos se não fazemos porque de fato não queremos, ou se porque sempre ouvimos que não deveríamos fazer. A repressão e o silenciamento não acontecem de uma hora pra outra, são pequenas sementes plantadas no nosso inconsciente por anos e anos.
Quando adulta, em teoria, deveríamos saber mais dos nossos quereres, saber impor a nossa vontade e desapegar dos traumas da infância. Doce ilusão. Mulheres adultas NÃO PODEM ainda mais.
Não podem dispor de seus corpos, não podem escolher abortar, não podem não querer casar, não podem não querer ter filhos, não podem ter um corpo fora do padrão, não podem ser sensíveis demais, não podem conhecer seus corpos e seus ciclos, não podem ter os mesmos cargos e salários que os homens mesmo quando são mais qualificadas, não podem competir de igual pra igual no mercado de trabalho, não podem ter filhos sem prejudicar sua carreira, não podem ser frias e calculistas se não estão sendo “masculinas demais”, não podem ser emotivas e vulneráveis pois são sensíveis demais, não podem escolher seu método anticoncepcional (esse parece que pode mas na verdade não foi uma escolha), não podem ganhar mais que os homens senão fere seu ego, não podem andar na rua a noite, não podem beber demais pra não “dar brecha” para serem estupradas, não podem “não se dar o respeito”, não podem “dar mole” pra não serem abusadas, não podem (até hoje) dar, não podem nunca querer dar, não podem explorar e conhecer sua sexualidade, não podem se amar, não podem ser confiantes demais, não podem ser assertivas demais, não podem ser altas (sim) demais, não podem ser expansivas demais, não podem ser tímidas demais (na cama, fora podem), não podem liderar, não podem se expressar livremente, não podem incomodar, principalmente.
Depois não sabem pra que existe feminismo. A gente não pode tanta coisa que não caberia em um texto.
Eu só consegui compreender tudo isso e me libertar de todas as expectativas da sociedade porque lutei muito, briguei muito, internamente e externamente, durante anos, pra TER UMA VOZ, pra validar a minha própria voz e assim, diminuir essa lista cada vez mais na minha vida.
O mundo que eu quero construir vai destruir uma a uma todas essas repressões e silenciamentos, mas ninguém vai fazer isso por nós.
Quem vem comigo?

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